terça-feira, 18 de agosto de 2009

O POSTE





Passou e parou por ali como se estivesse devendo alguma coisa pra alguém. Não pediu licença ao olhar para os lados, seus olhos ficaram girando como se estivessem em órbita retrógrada até que num determinado momento se estacaram e enxergaram o poste.

Que coisa mais estranha pensou, passava por ali todos os dias e nunca tinha visto este poste. Ficou contemplando aquela visão pentagramática, aquilo mais parecia um engolidor de linhas que queria limpar o caminho para deixar o cenário melhor acabado, ou será que foram as linhas traiçoeiras que fez com que ele pensasse que fosse uma nota musical e o enforcou no momento menos esperado, justo na hora que o sol estava a pino, o iluminando do alto, na hora em que ele se sentia um lorde, o dono da paisagem, pobre coitado, vítima das teias assassinas que trabalham em rede por toda a cidade.

Nesse momento ele se sentiu amigo do poste, olhou para os dois lados da avenida que se estendia no horizonte, dividida que estava por um rio que passava fedorento pela boca da ponte, não fosse isso, já teria mergulhado, o calor era intenso. O poste compartilhava com ele um dos dois lados da ponte, pode-se até dizer que eram os senhores daquele lugar, nossa!!! Nunca havia se sentido assim tão poderoso, se o mundo todo fosse só isso, ele com certeza seria um rei, por que não haveria de ser? Já que o poste, pelo que consta, estava dominado, e sua figura imponente servia apenas para geometrizar o lugar.

As horas custam a passar quando se está esperando, e o pior, é que ele não se lembrava mais o que estava esperando. Meu Deus!!! O que aconteceu agora? Minutos atrás o poste estava completamente viril com seus noventa graus em perfeita ereção, de repente, tombou a cabeça para o lado direito... Ou será que as linhas do lado direito resolveram mostrar sua força? Não sabia mais o que pensar, tudo estava ficando muito estranho. As buzinas e os motores dos carros não mais se deixavam ouvir, e o cheiro, aquele cheiro por pior que fosse ainda era alguma coisa, mas agora nada, apenas uma leve brisa que lhe sorria sarcasticamente.

A tarde foi caindo e levando com ela as nuvens lá no fundo, cansadas que estavam do ar monolítico. Mas, afinal, porque ele estava lá ainda, o que havia ido fazer ali? Eram exatamente 18 horas, 53 minutos e alguns segundos que foram escapando, quando um cachorro desavisado passou por ali, olhou para os seus pés, cheirou e o molhou sem o menor pudor. Ele nunca mais falou nada, nunca mais se mexeu e nem saiu dali. Também nunca ninguém mais ouviu falar dele. A noite caiu, as estrelas mergulharam nas águas do rio que agora passeavam lentamente sob seus pés, levadas que eram pela correnteza. Neste instante seu rosto apenas iluminava a rua e competia com o poste do outro lado os cantos vadios e obscuros da ponte.

Se você passar um dia por essa ponte olhe muito bem para os dois lados e procure o poste, se não conseguir olhar para os dois lados ao mesmo tempo, tome cuidado e decida por um deles... Para qual lado? É você que escolhe.



Texto: Marco Antonio Maluf
Fotografia: André Uba
São Paulo - Setembro de 2007

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